Wagner Moura Lamenta Identidades Perdidas em 'O Agente Secreto'
- Raul Marques
- há 20 horas
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Atualizado: há 9 horas
“Brasil, 1977. Uma época de muita pirraça.”
É assim que o letreiro de abertura de "O Agente Secreto", sexto longa-metragem do diretor Kleber Mendonça Filho, apresenta o período em que a história do filme se passa. Nela, um homem misterioso (Wagner Moura), fugindo do regime repressivo, retorna à sua cidade natal, Recife, onde se junta a outros refugiados, buscando se reconectar com o filho e escapar do país. A referência irônica à ditadura militar se soma ao absurdo tragicômico da sequência inicial, onde um cadáver apodrece a dias a beira de uma estrada e policiais aparecem apenas para pedir propina, para dar o tom ácido e reflexivo do que vem a seguir: uma narrativa onde o passado não é apenas um pano de fundo, mas o próprio campo de batalha.

Agente Secreto é um thriller expansivo e cheio de texturas sobre memória. Difícil começar com qualquer coisa se não a vistosa estética setentista, de cores vivas e direção de arte minuciosa, capturada pelas lentes anamóricas Panavision. Não apenas porque é uma façanha por si só, mas também por refletir o jeito que as personagens se agarram ao passado enquanto tentam fugir do presente.
Kleber não é nada sutil ao traçar os paralelos entre a paranoia da época da ditadura e o revival patético da “ameaça vermelha”, que joga no mesmo saco artistas, ativistas, professores e qualquer um considerado subversivo como agentes secretos a serem perseguidos em nome da pátria. Entretanto, o escopo de interesse dramático vai muito além da frente estritamente política (e das fronteiras nacionais).
Os refugiados compõem um mosaico de perdas que se estende desde a dor infantil da falta dos pais às feridas abertas de guerras na Europa e em África. Embora as lutas particulares sejam distintas, um sentimento de ausência os une. Nem a perspectiva de um futuro melhor e a compaixão de outros parece aliviar essa angústia, o que é contrastado com a perversidade sadi-cômica dos milicos e malacos antagonistas.

Evocando Retratos Fantasmas, em que a história da decadência dos grandes cinemas de rua do Recife e experiências pessoais com a arte se atravessam para atestar e questionar a força implacável da passagem do tempo, o uso constante de jornais, fitas, cartas, documentos e fotografias - assim como a presença do Cinema São Luiz como cenário-chave - expõe o rastro de fontes desenterradas e ressignificadas para retratar o país na tela. Ao mesmo tempo, também escancara a impossibilidade de recuperar o que foi perdido.
Nove em cada dez vezes, a falta de uma conclusão enfática depois de uma construção tão cuidadosa e eficaz seria frustrante ao extremo. Mas aqui, o final com salto temporal, que troca parte da catarse da violência estilizada pela fria passividade de uma nota de rodapé, é um arremate incômodo que sublinha como a comoção e a moralidade da ficção parece minúscula perto da imposição do esquecimento.
-Raul
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